Parecer da ANSEF Nacional sobre a autorização do IRPF

 

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A ANSEF Nacional traz em nota o seu parecer para os associados em resposta à norma publicada pelo Ministério da Economia sobre a assinatura dos servidores públicos ao Termo de Autorização de Acesso à Declaração do Imposto de Renda de Pessoa Física- IRPF

A norma destaca que o agente público federal ocupante de emprego, cargo eletivo, efetivo e cargos e funções de livre nomeação e exoneração, em exercícios nos órgãos e entidades integrantes do SIPEC deve se manifestar até o dia 20 de novembro, sob pena de processo administrativo disciplinar, pelo site ou aplicativo SouGov.

Esse documento dará a Controladoria-Geral da União- CGU a permissão para consultar e acompanhar a evolução do patrimônio em cargos que poderiam acarretar conflitos de interesse. Uma vez autorizado, o termo ficará disponível à CGU por tempo indeterminado.

Entretanto, nossa instituição questiona tal método já que o servidor, por lei, não é obrigado a fornecer essa autorização de acesso direto ao IRPF, alimentando anualmente esse documento como outrora praticado, sem interferir no sigilo de informações fiscais.

Segue abaixo o parecer feito pelo escritório Miranda, Campos e Nascimento Advocacia:

 

DA CONCESSÃO DE AUTORIZAÇÃO DE ACESSO À DECLARAÇÃO DO IMPOSTO DE RENDA DE PESSOA FÍSICA PELOS SERVIDORES PÚBLICOS

Ref.: Lei Federal nº 8.730/1993

Decreto nº 10.571/2020

Em questionamento realizado pela ANSEF Nacional, quanto ao Termo de Autorização de Acesso à Declaração do Imposto de Renda de Pessoa Física por parte do Serviço Público, o Consulente traz os seguintes apontamentos.

De início devemos rememorar a Lei Federal nº 8.730, de novembro de 1993, que estabelece a obrigatoriedade de apresentação das declarações de bens e rendas de servidores aos Órgãos de Controle. Essa obrigação, até então, era cumprida pelas Unidades de Gestão de Pessoas que, anualmente, enviavam relatório com essas informações.

A declaração anual de bens é obrigatória e a sua imposição se encontra no art. 13 da Lei nº 8.429/92, regulamentado até 8 de dezembro de 2021 pelo Decreto nº 5.483/2005 e, a partir do dia 9 de dezembro de 2021 pelo Decreto nº 10.571/2020.

Segundo a Lei nº 8.429/92, todo aquele que exerce função pública deve disponibilizar a declaração de bens e valores ao órgão ou entidade da Administração Pública ao qual é vinculado, tal como dispõe o artigo 13:

Art. 13. A posse e o exercício de agente público ficam condicionados à apresentação de declaração dos bens e valores que compõem o seu patrimônio privado, a fim de ser arquivada no serviço de pessoal competente. 

1° A declaração compreenderá imóveis, móveis, semoventes, dinheiro, títulos, ações, e qualquer outra espécie de bens e valores patrimoniais, localizado no País ou no exterior, e, quando for o caso, abrangerá os bens e valores patrimoniais do cônjuge ou companheiro, dos filhos e de outras pessoas que vivam sob a dependência econômica do declarante, excluídos apenas os objetos e utensílios de uso doméstico. 

2º A declaração de bens será anualmente atualizada e na data em que o agente público deixar o exercício do mandato, cargo, emprego ou função. 

3º Será punido com a pena de demissão, a bem do serviço público, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, o agente público que se recusar a prestar declaração dos bens, dentro do prazo determinado, ou que a prestar falsa. 

4º O declarante, a seu critério, poderá entregar cópia da declaração anual de bens apresentada à Delegacia da Receita Federal na conformidade da legislação do Imposto sobre a Renda e proventos de qualquer natureza, com as necessárias atualizações, para suprir a exigência contida no caput e no § 2° deste artigo.

Por sua vez, o artigo 3º do Decreto regulamentar (atual Decreto nº 10.571/2020, que revogou o Decreto nº 5.483/2005) prevê que:

Art. 3º As declarações de que trata este Decreto serão apresentadas, exclusivamente, por meio de sistema eletrônico administrado pela Controladoria-Geral da União.  

1º As declarações sobre bens e atividades econômicas ou profissionais de que trata este Decreto poderão ser substituídas por autorização, em meio eletrônico, de acesso às declarações anuais de Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza das pessoas físicas apresentadas pelo agente público à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia. 

2º A autorização de que trata o § 1º:

I – terá validade por tempo indeterminado; 

II – poderá ser tornada sem efeito, por meio eletrônico, a qualquer momento, pelo agente público;

 III – será assinada em meio eletrônico pelo agente público, com utilização dos tipos de assinatura eletrônica reconhecidos como válidos para o caso, nos termos do disposto no Decreto nº 10.543, de 13 de novembro de 2020;

 IV – não exime o agente público de informar, na forma prevista no caput, seus bens e atividades econômicas ou profissionais que não constem da declaração do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza das pessoas físicas;

 V – implica autorização para acesso e armazenamento de todos os dados da declaração do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza das pessoas físicas pela Controladoria-Geral da União e, quando aplicável, para acesso pela Comissão de Ética Pública, de que trata a Lei nº 12.813, de 2013; e

 VI – poderá ser apresentada por meio do Sistema de Gestão de Pessoas – Sigepe, na hipótese de o agente público estar cadastrado no referido sistema.

Assim, vê-se que a autorização de acesso ao imposto de renda de pessoa física é uma faculdade que foi dada ao servidor que não deseja, anualmente e dentro do prazo legal, apresentar a Declaração de Bens e Valores, tal como está atualmente prevista na Portaria Interministerial MP/CGU Nº 298, de 6 de setembro de 2007.

À vista disso, a partir de dezembro de 2021 os Servidores Públicos que estiverem no serviço ativo terão duas formas de cumprir o regramento legal de declaração de bens, quais sejam:

  1. Com o preenchimento de um formulário, nos moldes antigos e feitos até então pelos servidores, que será remetido à Controladoria Geral da União;
  2. Com a autorização de acesso à Declaração de Imposto de Renda do Servidor.

Logo, a modificação introduzida pelo Decreto 10.571/2020 é facultativa e caberá ao servidor escolher a forma de apresentação da declaração anual de bens, não sendo obrigatório fornecer autorização para acesso direto à Declaração Anual do Imposto de Renda.

Urge destacar que, em caso de não autorização, o servidor deverá alimentar diretamente o sistema da Controladoria-Geral da União (CGU) para apresentar a declaração anual de bens, sob pena de sofrer Processo Administrativo Disciplinar caso deixe de informar. Essa obrigatoriedade entrará em vigor em 09/12/2021, conforme Decreto 10.571/20.

A autorização tem validade por tempo indeterminado e poderá, a qualquer tempo, ser retirada pelo servidor. Do mesmo modo, é possível rever a decisão de não autorizar o acesso à Declaração de Imposto de Renda de Pessoa Física.

Feito o esclarecimento a respeito das modificações introduzidas pelo Decreto nº 10.571/2020, o Consulente orienta aos Associados da ANSEF Nacional, que estejam no serviço ativo, que não quebrem a proteção constitucional de sigilo de suas informações fiscais, sob severo prejuízo às liberdades individuais, tão ameaçadas na atual conjuntura jurídico-social.

O ordenamento jurídico deve estar capacitado para assegurar, na medida necessária, a primazia das garantias constitucionais sobre as demais disposições legais, principalmente porque quebrar o sigilo das informações fiscais da maneira proposta (notadamente com a autorização do servidor), ao longo do tempo caracterizará em um simples ato rotineiro de afronta à liberdade individual, inviolabilidade do direito à vida privada, à intimidade das pessoas, e sigilo de informações, porque há novel garantia constitucional assegurando o sigilo de tais dados e, afora isso, o interesse jurídico-administrativo à intimidade fiscal do servidor estará banalizada e em grave prejuízo isonômico com os demais cidadãos.

Importante ressaltar que o sigilo fiscal não é absoluto, sendo permitida a transferência de informações protegidas em casos excepcionais previstos em lei, ou seja, em pouquíssimas exceções.

Não pode ser quebrado o sagrado direito de sigilo pelo simples interesse da Administração Pública em querer “facilitar” ao Servidor Ativo o envio da Declaração de Bens e Valores.

Ao nosso sentir, s.m.j., essa relatividade do sigilo fiscal em desfavor dos servidores públicos ativos – mediante expressa autorização do agente público – em especial a quebra do banco de dados constantes na Receita Federal das informações do Servidor Público, somente pode ser feito em caráter excepcional e dentro dos exatos limites da lei específica e mediante ordem judicial, para atender notório e evidente interesse da Justiça, caso contrário a mera autorização banalizada de acesso ao seu sigilo caracterizará grave desmerecimento a inviolabilidade de sigilo de dados (aqui incluído o sigilo fiscal), estabelecido no artigo 5º, X e XII, da Carta Constitucional de 1988.

O sigilo fiscal, em que pese não estar expresso na Constituição Federal, fundamenta-se e surge como desdobramento dos direitos constitucionais à inviolabilidade da intimidade e da vida privada, tanto das pessoas físicas quanto das pessoas jurídicas, impedindo a Administração Tributária de divulgar informações fiscais de contribuintes e terceiros, e aqui está incluído a CGU.

O dever de observância ao sigilo fiscal está expressamente consignado na Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, Código Tributário Nacional (CTN). O caput do art. 198 desse diploma legal veda a divulgação de informações protegidas por sigilo por parte da Fazenda Pública e de seus servidores e determina o escopo da matéria sigilosa.

Pelo sustentado, o parecer é que as ANSEF’s orientem os seus associados que estejam no serviço ativo, que não autorizem o acesso ao imposto de renda de pessoa física para cumprirem a obrigatoriedade de apresentação das declarações de bens e rendas de servidores aos Órgãos de Controle, em respeito e manutenção de direitos constitucionais de liberdade individual, inviolabilidade do direito à vida privada e à intimidade das pessoas, e sigilo de informações, eis que o servidor ainda possui a faculdade de promover o preenchimento de um formulário, nos moldes antigos e feitos até então pelos agentes públicos, que será remetido à Controladoria Geral da União.

O parecer foi construído em estrita defesa da preservação da privacidade como princípio constitucional e previsão legal, principalmente porque o órgão público de vinculação do servidor possui outros meios de atestar a veracidade daquelas informações declaradas sem dispor ou relativizar o direito de sigilo fiscal.

Por fim, caso algum servidor ativo assim não entenda, o Consulente orienta que seja omitido o número de recibo de entrega fornecido pela Receita Federal, que é uma “especie de senha”, como última fronteira de proteção da Declaração do Servidor.

É o parecer.

S.M.J.

Brasília – DF, 9 de novembro de 2021.

MIRANDA, CAMPOS E NASCIMENTO ADVOCACIA

OAB/DF 4.251/2018